Em uma sociedade onde a violência sexual assume novas formas a cada dia, o caso de Pablo Santiago, um servidor público que trocava imagens íntimas de mulheres por vídeos de necrofilia, assustou a todos. Pablo Silva Santiago, ou mais conhecido por seu codinome Pablo Peligro, de 39 anos, é um servidor público federal no Ministério da Cultura. Além de servidor, ele atuava como professor de dança (salsa) e se apresentava também como músico e DJ. O caso foi descoberto em abril de 2025, quando a então namorada de Pablo acessou o computador dele e encontrou mais de mil fotos e vídeos íntimos de mulheres — inclusive dela mesma. Após o confronto, Pablo confessou que consumia pornografia compulsivamente e buscava conteúdos cada vez mais violentos. Um amigo, ao saber do que estava acontecendo, decidiu alertar possíveis vítimas — e foi essa indignação e necessidade de justiça que fez o caso chegar até a polícia. No dia 13 de maio de 2025, a Delegacia da Mulher cumpriu mandado de busca e apreensão na casa do servidor, dando início à investigação oficial.

Por: Ana Carolina Dethling - Escritora e Pesquisadora em gênero e violência.

Data: 25/08/2025

Ao longo das investigações, a polícia encontrou fotos e vídeos registrados de mulheres sem seu consentimento. As mídias estavam organizadas por nome e data. Os arquivos revelavam uma rotina de gravações escondidas que vinham acontecendo desde 2017. Pablo costumava instalar câmeras em banheiros públicos, em casas onde ele já havia morado, no banheiro do salão de beleza da tia e até mesmo no banheiro da casa da mãe de um amigo. Após mais averiguações, a perícia descobriu que o servidor usava esses conteúdos como moeda de troca por vídeos de necrofilia (sexo com cadáveres) em sites pornográficos e fóruns no Telegram. O Ministério Público se solidarizou com as vítimas e famílias, deixando uma nota nas redes sociais: “Manifestamos solidariedade às vítimas e reafirmamos nosso compromisso com a proteção das mulheres e a integridade dos espaços culturais.” Pablo Santiago foi afastado de seu cargo pelo período de 60 dias. O afastamento do servidor não afetará o recebimento de seu salário, e futuramente ele terá o direito de se defender. Infelizmente, esse é um dos milhares de casos que acontecem diariamente. Situações como essas são comuns, e muitas delas sequer são denunciadas. As mulheres já viviam com o medo de serem estupradas, e agora também somos obrigadas a lidar com a insegurança de estarmos sendo observadas e gravadas sem nosso consentimento, em lugares íntimos em que menos esperamos: banheiros, provadores, academias e até mesmo na casa de conhecidos.

Enxergo isso como "um novo jeito de estuprar", um jeito menos agressivo e mais inteligente, onde você não tem muito trabalho para agarrar a vítima, e nem corre o risco de deixar rastros no corpo dela. A mulher não grita, não luta para se defender e não consegue denunciar seu agressor, afinal, como vai conseguir chegar em um responsável uma vez que qualquer pessoa pode tê-la filmado? Mesmo sem agressão física direta, há uma clara violação de direitos civis e morais. Gravar alguém em ambientes íntimos, como banheiros, sem consentimento, configura crime previsto no artigo 216-B do Código Penal. A Constituição também assegura o direito à privacidade e à integridade da imagem. A violência pode não deixar marcas visíveis, mas ela fere a dignidade de forma profunda e muitas vezes irreparável. Muitos ainda não levam casos como esse a sério porque existe uma ideia antiga e perigosa de que o prazer masculino é um direito que não deve ser questionado. Mas quando olhamos para os números, a realidade é alarmante. Em dezembro de 2020, após uma investigação do New York Times, o site Pornhub removeu cerca de 10 milhões de vídeos, mais de 80% do seu conteúdo, por não verificar o consentimento das pessoas envolvidas. Relatórios da organização Exodus Cry revelam que vídeos contendo abuso sexual, estupro e pornografia de vingança circulam frequentemente em grandes 1 plataformas, acumulando milhões de visualizações. Além disso, um estudo publicado no Violence Against Women Journal em 2019 mostrou que 35% dos vídeos mais assistidos em sites pornográficos apresentavam violência física clara contra mulheres, sendo que em 95% dos casos as mulheres demonstravam dor ou desconforto, e em 89% das situações, o agressor masculino não sofria punição ou questionamento.

Também há casos graves de vídeos com menores de idade que permaneceram anos online, segundo investigações do Canadian Centre for Child Protection. Esses vídeos geram lucros significativos para quem os compartilha ou distribui — como no caso de Pablo Silva Santiago — alimentando uma rede lucrativa de exploração e abuso. Quando esse tipo de conteúdo é consumido e naturalizado como entretenimento, ele deixa de ser fantasia para se tornar violência real, filmada, compartilhada e incentivada. Muitas dessas mulheres carregam o cansativo peso de saberem que estão sendo consumidas, observadas e julgadas, na maioria das vezes por vizinhos, familiares ou colegas. Um estudo da Cyber Civil Rights Initiative mostrou que mais da metade das vítimas de violência sexual digital pensaram em suicídio. Tamanho ato tem o poder significativo de destruir o psicológico e o emocional de uma vítima. Muitas perdem a confiança em si mesmas e nos outros ao redor, outras sentem medo de sair de casa por vergonha e grande parte delas deixam a escola, o emprego e abandonam a vida social. Tratar disso como se fosse algo banal ou só mais uma coisa, é negligência. Não é só um vídeo, não é só uma imagem. É o corpo dela sendo invadido todos os dias por quem ela não pode ver, nem impedir. Precisamos lutar por uma sociedade que entenda que a violência contra a mulher não se resume a socos ou estupros físicos. Ela se transforma, se infiltra nas telas, nos olhares, nos compartilhamentos. Ela se molda à tecnologia, à rotina, à época, à modernidade, às músicas, à internet, aos filmes, imagens, propagandas, discursos, opiniões, pessoas, tradições, culturas, seitas e religiões. Precisamos lutar por uma sociedade que defenda as mulheres em vez de culpá-las.

Precisamos lutar por ambientes de trabalho, escolas, universidades, hospitais e estabelecimentos que sejam realmente seguros para nós. Precisamos de novos projetos de lei que garantam penas longas e severas a crimes sexuais — porque a dor de uma vítima não pode ser tratada com indulgência judicial. Precisamos de investigações sérias e perícias constantes em sites adultos que continuam lucrando com a divulgação de conteúdos e imagens íntimas sem consentimento. Precisamos de assistência psicológica, emocional e financeira às mulheres que têm suas vidas dilaceradas pelos efeitos da exposição. Precisamos que as escolas ensinem desde cedo o que é estupro, o que é importunação sexual, o que é consentimento, o que é respeito. Precisamos parar de esperar que as vítimas silenciem — e começar a exigir que os culpados sejam responsabilizados. Precisamos. Urgentemente

Fontes e referências

Este artigo foi escrito por Ana Carolina Dethling, fundadora do clube Aconteceu Comigo – Girl Up Brasil. Publicado originalmente no site aconteceucomigo.com para a campanha “Vozes de uma Violência”.

Fontes:

https://www.metropoles.com/distrito-federal/na-mira/ministerio-da-cultura-afasta-servidor que-filmava-mulheres-em-banheiros - https://www.nytimes.com/2020/12/04/opinion/sunday/pornhub trafficking.html - https://exoduscry.com/traffickinghub/ - https://journals.sagepub.com/doi/abs/ 10.1177/1077801219826100 - https://protectchildren.ca/en/ - https://www.cybercivilrights.org/